#002 - Feb 19th 2025, Wed - OUTRA ESFERA (2016) - Tássia Reis
Hello, Clube do Disco! Queria ter mandado mais cedo o post de hoje, mas antes tarde do que nunca, quero falar de Outra Esfera. Esse trabalho da Tássia Reis, de 2016, tem sete faixas e o peso de uma grande obra! Não sei dizer se é um álbum ou um EP, ele talvez seja pequeno demais para um álbum e grande demais para um EP, e quero ser bem breve no faixa-a-faixa, mas antes quero declarar meu amor por mais esse disco.
Conheci algumas faixas de maneira avulsa, antes de escutar o disco. A Tássia tem muitas músicas incríveis, o instrumental dela nunca deixa a desejar, e eu já ouvia algumas dessas músicas antes, e um dia quis caçar o disco que tinha uma daquelas faixas, e assim descobri o resto da obra e peguei intimidade com algumas, que eram menos conhecidas para mim. Quero falar um tiquinho sobre cada uma delas pra vocês.
Não é Proibido, primeira faixa, começa com um som de pássaros, que vai tomando o silêncio, vira ruído e em seguida dá espaço para o beat. Um som meio espacial, etéreo, com vários detalhes sonoros, e enfim o vocal da Tássia, trazendo um discurso em primeira pessoa, muito comum no Hip Hop, para falar de modo um tanto intimista mas breve sobre questões existenciais e a busca por liberdade e felicidade (temas recorrentes na sua obra e em todo o disco). “Não tema, o medo é algema, felicidade não é problema e dançar ainda não é proibido”. Me parece aqui que Tássia está falando sobre achar sabores na vida apesar das dores e dificuldades. Sobre poder sonhar mesmo que as coisas não estejam fáceis.
Ouça-me RMX, a segunda do disco, é um remix com um sample incrível e envolvente, e eu sempre me perguntei sobre a versão original da música, porque caçava e não achava. Hoje insisti um pouco mais na busca e achei no site SoundCloud (vou deixar o link pra ela também ao final do texto, acho que vale a pena), então a versão RMX que entrou no Outra Esfera buscou reconstruir essa primeira versão, que fez parte da série Make Noise, em que o produtor Arthur Joly fazia algumas bases experimentais para artistas independentes da cena de nove anos atrás, nos Red Bull Estúdios. A versão presente no Outra Esfera é preenchida e com uma produção incrível. Também incrível é a letra, que fala sobre o ardente desejo de ter sua voz ouvida, de expressar seu recado, e sobre a força ancestral que atravessa as coisas que ela tem a dizer. A revolução será crespa, diz ela em algum momento da música, enfatizando que desistiu de falar baixinho. É um manifesto anti silenciamento das mulheres negras na cena e na sociedade em que vivemos.
Desapegada, um grande hit deste disco, começa com um uma linha de baixo acústico lindíssima, e tem um riff de piano e uma base de bateria que dão a sensação de vigor. “Uma folha solta, com rumo”, aqui Tássia está apresentando como eu lírico uma moça livre, disposta a experimentar os rumos dos acontecimentos, mas mais uma vez com a força de quem tem algo a dizer. A flauta transversa sola lindamente num trecho da canção, e a letra confessa que esse jeito desapegado e livre tem a ver com a força de quem tentou aprender a não se machucar. Nalgum momento inclusive ela fala sobre como esse jeito desapegado a que a música se refere é justificado pelo fato de que a outra pessoa (seu par romântico nesta relação desapegada) não se esforça tanto pra se fazer presente.
Na faixa seguinte, Semana Vem, esse tema reaparece com uma outra abordagem. Ela apresenta um eu lírico que confessa crises de ciúmes, que quer algo mais sério, mas se sente envolvida por um cara que tem outras meninas enquanto quer mantê-la presa a ele. A faixa é um reggae, com uma levada dub, e o suingue do instrumental, com base harmônica de teclado armante e linha de baixo cheia de groove, nos entregam um discurso que mistura confissões de fragilidade e tentativas de mostrar muita força, diante das inseguranças dessa relação em que “semana vem, semana vai”, precisa lidar com os jogos relacionais deste parceiro “eficaz” nas teias de manipulação. Mesmo as canções “de amor” da Tássia têm um caráter de protesto, me parece.
A quinta faixa, Da Lama/Afrontamento, reúne duas músicas. Da Lama se inicia mais uma vez, com uma linha envolvente de baixo acústico, e logo um vocal acelerado e verborrágico, cheio de coisas a dizer. Ela começa dizendo que ninguém é melhor que ninguém, e de modo eloquente passa a descrever os impactos da desigualdade social para a geração da violência nas periferias brasileiras, alegando que vem da lama e que sabe dos valores que são degenerados pelo racismo e pela injustiça de classe. Quando a música parece terminar, com um belo arranjo de cordas e piano bailando com o contrabaixo acústico, o som vira e um beat um bem mais raivoso e caótico vira base para a segunda parte da faixa, nomeada Afrontamento. Aqui o discurso continua o raciocínio da primeira parte, mas com uma ênfase no aspecto da representatividade. “Transformam adolescentes num filho da puta dum malfeitor”. Afrontar é não se calar, é fazer rap e denunciar o cenário injusto em que se vive. “Da zona de conforto pra zona de conflito”. Música de qualidade que quer incomodar.
Em seguida vem a belíssima Se Avexe Não, uma canção de conforto, ternura, de acolher feridas e que diz à sua maneira que, mesmo nos momentos difíceis, em que a gente precisa continuar como se estivesse tudo bem, o choro é um direito, mas também um modo de se reestabelecer para continuar na luta. A melodia desta música é envolvente, e em algum momento ela surpreendente vira e se torna um sambinha, uma joia delicada. Uma música para se ouvir nos dias tristes e entender que chorar não é sinal de fraqueza. Essa é daquelas que me fazem pensar nas dores que os artistas precisam ocultar para fazer a nossa alegria e o nosso entretenimento com seus espetáculos.
Por fim, a sétima faixa é Perigo, uma das canções mais sensuais do EP (ou álbum?), que descreve, com uma levada R’n’B, a química de um casal que tem afinidade carnal, mas em que há a insegurança de saber se o romance tem futuro. O Refrão repete e insiste “Eu mexo com você e você mexe comigo” e “Eu mexo com você e aí mora o perigo”, e ela termina dizendo que a conexão entre os dois “é espiritual”... Tudo isso sob a levada de uma base instrumental muito bem produzida e cheia de elementos sonoros instigantes. Fechando com chave de ouro um disco de muita qualidade.
Espero que vocês gostem de saborear Outra Esfera, que para mim é um dos mais bem acabados trabalhos do Hip Hop nacional, e que ele leve coisas boas pra vocês aí, que estão nessa aventura gostosa do nosso Clube do Disco. Vou repetir aquelas mesmas perguntinhas de ontem: Já conheciam este disco, ou ao menos alguma das faixas? Têm memórias pra contar? Este álbum lembrou outra obra que valha a pena citarem? Depois de ler a resenha, já pegaram o disco pra ouvir? Ou pretendem pegar? O que mais gostaram? Concordam, discordam, têm algo a acrescentar? Quero muito os comentários de vocês, hoje, ou no tempo que for possível pra vocês.
E o disco de amanhã vai sair mais cedo, heim! Se acontecer de novo de em algum dia o disco sair tão tarde, cês me prometem que não ficam com raiva de mim?
Links para o disco no Spotify: https://open.spotify.com/intl-pt/album/7BZkkvPysgOxPgwO4HzB3v
E no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=PLOAgHAhw7Dikh9X74_kx02-kLs6pvmlbF
Aqui o link para a primeira versão de Ouça-Me no SoundCloud: https://soundcloud.com/redbullstudiosp/make-noise-tassia-reis-ouca-me
Aqui os links para quem quer entrar nos grupos do clube:
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See you tomorrow!
beijinhos de maracujá!
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