#001 - Feb 18th 2025, Tue - TRACY CHAPMAN (1988) - Tracy Chapman
Me perguntei muito por qual disco começar, mas não poderia ser outro! Apesar de eu ter um laço maior com a música brasileira, tenho neste primeiro disco da carreira da Tracy um dos melhores exemplos de materialização da missão de cantar e fazer música.
Como este é um dia especial para mim, escolhi para hoje um disco lançado no mesmo ano em que nasci, mas não apenas por isso. Cada uma das faixas sintetiza o projeto de uma obra perfeita e vou tentar mostrar isso, num insuficiente faixa-a-faixa, que eu espero que vocês complementem com a escuta atenta e repetitiva do disco inteiro.
Amo que esse disco começa com uma música que fala sobre uma revolução. Literalmente o nome da primeira do álbum Tracy Chapman é Talking About a Revolution. Isso mostra que a cantora (que emprestou seu nome para este disco) estreou sua carreira fonográfica sem medo de se posicionar. E esta está longe de ser a única música de temática política no disco, por mais que ele passeie por outras temáticas.
A primeira faixa, Talking About a Revolution, soa como uma ameaça musical às burguesias e elites políticas, falando duma revolução vindoura sobre a qual se sussurra por aí, que está prestes a acontecer. Começa com um violão de aço numa progressão comum, mas a ele e ao teclado logo se soma um encorpado instrumental com um quê de música country de protesto. Mais do que apenas uma ameaça e uma denúncia, ela é uma canção de protesto e de esperança e alento para quem sofre a carestia e as injustiças sociais hoje ainda tão fortes, quase trinta e sete anos depois do lançamento da canção e do disco. Finalmente começaremos a virar as mesas, canta ela!
Depois vem um dos maiores hits do álbum, e que recentemente voltou a ter momentos de glória, em mais uma das várias ondas de retorno de seu prestígio. A segunda faixa é nada mais, nada menos do que Fast Car, um poderosíssimo sucesso, que disputa o posto de maior hit da carreira da Tracy com outra faixa deste mesmo disco. Fala de ciclos que se repetem, da tentativa de encontrar liberdade se mudando pra bem longe, pra outra cidade, e de como às vezes, ao tentar fazer tudo diferente, podemos acabar caindo nos mesmos enredos que tentamos evitar. É uma canção de amor, mas também fala de esperança e de falta dela. E tem um riff inconfundível e um refrão poderoso!
Across the Lines, a terceira faixa do disco, mais uma vez retoma o tema da denúncia social. Cita o sonho americano para falar de segregação e desigualdade, relatando violências racistas e revoltas populares. Quem chegou a esta faixa já pôde perceber a consistência sonora, a qualidade dos arranjos e a capacidade de envolver o ouvinte com letras profundas levadas por instrumentais precisos e bem executados.
E isso é quebrado na quarta faixa, Behind The Wall, mas não por falta de qualidade do seu instrumental, e sim por ser esta uma canção à capela. Há na letra uma sensibilidade feminista já presente lá em Fast Car, e novamente uma temática social forte (talvez a letra mais difícil, por seu desfecho trágico). É uma canção sobre as violências domésticas que, como aponta seu título, ocorrem escondidas atrás dos muros e paredes, mas que mesmo assim têm uma comunidade como testemunha (e um poder público como omisso cúmplice). O modo como a letra repete uma mesma parte, que relata uma cena, para dar a sensação de que é um acontecimento não apenas da noite passada, mas recorrente, e depois relata um acontecimento que muda os rumos da história, mas volta a repetir a cena inicial, mesmo que ela não possa ter se repetido mais, para deixar no ar que aquilo se repete não apenas naquela rua, mas em muitas comunidades pelo mundo, para mim faz dela um dos mais belos e tristes poemas com estrutura de repetição já cantados pela voz humana. E QUE VOZ!
Daí vem a outra concorrente a maior hit da carreira de Tracy, a lendária Baby Can I Hold You, que é talvez aquela que está nas memórias das pessoas que menos conhecem a Tracy, como um registro da sua voz. Uma canção de amor sobre vacilos, mágoas, pedidos de desculpa e a possibilidade de reconciliação. Com uma estrutura de estrofes e refrão que repete um mesmo argumento narrativo com a mudança de palavras chave, aqui a gente consegue sentir que não há apenas violência e decepção, ou apenas revolta social, mas algum grau de bem querer. Não sei se sentem o mesmo que eu, mas talvez esta seja a primeira canção de amor do disco, se a gente pensa bem no que de fato dizia Fast Car, a segunda faixa. Baby Can I Hold You é a quinta do disco e a última do lado A (o vinil foi a mídia através da qual conheci essa obra de arte, e recomendo que vocês tenham a oportunidade de um dia, depois de ouvidas essas cinco faixas, virá-lo para entrar no lado B! Um sabor!).
A sexta e primeira do lado B é Mountains O’ Things, um contundente manifesto antineoliberal, mais uma vez destoante do tema do sonho americano. Uma crítica às ideias de consumismo e meritocracia, a letra aponta as desigualdades e amaldiçoa a riqueza que ostenta luxos de poucos sobre a desgraça de muitos. É um ótimo início de lado B para um disco que começa falando sobre uma revolução. Tenho um carinho especial pelo jogo de percussão e xilofone do arranjo desta faixa, que faz o disco todo soar meio African vibes, há alguma coisa da música modal (que se contrapõe à música tonal, para quem entende um pouco de teoria musical) aqui nesse arranjo e ela termina com uma predominância hipnotizante do triângulo, quando outros instrumentos vão se retirando de cena.
A sétima faixa, She's Got Her Ticket, fala de uma figura feminina que tomou a decisão de partir para buscar seu lugar ao sol. Talvez aqui seja onde mais se possa perceber, neste primeiro disco da Tracy, a forte influência do reggae e da música jamaicana, que posteriormente vai aparecer em muitos momentos e episódios de sua carreira. A percussão mais uma vez dá um suingue e uma identidade musical única para este lado B.
E então vem Why?, a oitava faixa, que mais uma vez traz o tema da denúncia social e da canção de protesto com uma força absurda. Novamente ela anuncia que alguma mudança logo virá, enquanto faz uma série de perguntas retóricas, que servem na verdade para expor as contradições e injustiças de uma sociedade degenerada pela fome, pela guerra, pela violência e pela solidão causada pelo desvínculo moderno. Ela diz “Amor é ódio, Guerra é paz, Não é sim, e todos nós somos livres”. Há alguma ironia, mas MUITA indignação! E contrastando com as faixas anteriores, aqui temos um instrumental veloz, ágil, intenso, uma linha melódica de quem tem urgência de dizer e disposição de gritar para se fazer ouvida.
As três próximas e últimas faixas, devo dizer, funcionam para mim como uma trilogia de reta final… Sinto nelas um andamento mais contido, mais suave, apesar de diferentes nuances, além de serem três canções de amor, ou ao menos que abordam temas amorosos. For My Lover, a nona e antepenúltima, relata em primeira pessoa o drama de alguém que se sacrifica por uma pessoa amada, mesmo contra todos os olhares e convenções sociais, e entende que não há motivos para largar a mão de alguém que todos julgam não merecer tais sacrifícios, quando se acredita no amor que se sente por esta pessoa. Ao menos é o que eu sinto, que ela é sobre parceria apesar dos infortúnios da vida que as opiniões populares julgam indignos.
If Not Now é o oposto disso, é sobre alguém que diz não ter disposição de esperar mais, que se nega a permanecer aguardando por mais tempo que a outra pessoa se decida a dar um passo a mais (e mais decidido) no aprofundamento de uma história de amor. É o clássico tema do “não aceitar menos do que eu mereço“. Confesso que, como há temas que se repetem, às vezes me pergunto se ela não é o outro lado da história contada no diálogo de Baby Can I Hold You, como Uma continuação, um desenvolvimento do raciocínio e dos sentimentos do eu lírico que se manifestava nas estrofes e o início do refrão daquela outra música. Posso estar enganado? Certamente, mas observem e pensem nisso! Mais uma vez em primeira pessoa, e mais um título de canção que é ou insinua uma pergunta… Ótima canção para colocar alguém contra a parede, fica a dica! Hahahah! Esta é a décima e penúltima faixa.
A última, décima primeira, For You, é uma profunda canção de amor e entrega. Fala sobre a confissão de alguém que não está disposta a controlar, dominar ou racionalizar seus sentimentos e emoções. Um disco com tanto teor político terminar com um trio de canções de amor (ou desamor, ou amor com desencontros e frustrações), mas especialmente com uma faixa que fecha o ciclo tentando expressar um sentimento de amor que não há palavras para expressar, no fim das contas, é algo que expressa muito bem o projeto do álbum e de toda a carreira da Tracy. Uma carreira expressiva, enfim. Uma obra que sintetiza amor e luta, sentimentos e crítica social com muito comprometimento, poesia e (mesmo quando à capela) belíssimos e muito competentes arranjos. Espero que vocês saboreiem cada uma dessas faixas.
Quero saber de vocês, já conheciam este disco, ou ao menos alguma das faixas? Têm memórias pra contar? Este álbum lembrou outra obra que valha a pena citarem? Depois de ler a resenha, já pegaram o disco pra ouvir? Ou pretendem pegar? O que mais gostaram? Concordam, discordam, têm algo a acrescentar? Quero muito os comentários de vocês, hoje, ou no tempo que for possível pra vocês.
E para concluir, dois avisos importantes: 1) nem sempre farei comentários tão aprofundados assim dos discos. Tentarei sempre fazer faixa-a-faixa, mas pretendo que seja geralmente de um modo mais breve (pode até acontecer de eu nem fazer o faixa-a-faixa, nalguns discos)... Mas este primeiro álbum merecia um texto com mais entrega. Já deu pra perceber que ele é muito especial pra mim, né? 2) todos os outros álbuns da Tracy poderiam entrar nessa lista de discos que pretendo publicar aqui, obviamente, são todos muito bons, mas já adianto que se não todos, com certeza virão outros dela no futuro… Mas amanhã? Amanhã vai ser outro dia!
Obrigado por estarem comigo neste primeiro episódio e nesse dia tão especial. Nos encontramos no disco de amanhã, ok? Estou amando começar esse clube do disco com vocês que já estão aqui comigo! E ansioso por quem ainda está pra chegar! Chamem mais gente para cá e nos encontramos amanhã. O que acharam do disco de hoje?
Links para o disco no Spotify: https://open.spotify.com/album/6hmmX5UP4rIvOpGSaPerV8?si=fV-z0JRfRJylmr7ontFVEw
E no YouTube: https://youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lJiJ1eSjBfk73-87m_0i9ubOA5RGSiLUs&si=UklC67dltjtEaCat
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See you tomorrow!
beijinhos de maracujá!
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