O Racismo Estrutural já não é mais uma hipótese (metedologias para uma patologização de sua negação)

 


Não gosto de patologizar comportamentos, muito menos posições conceituais sobre o mundo (saberes) mas, contrariando isso, quero neste texto cogitar, para fins metodológicos, a hipótese de que toda e qualquer pessoa que não reconhece a óbvia existência do racismo estrutural como fenômeno determinante em nossa sociedade está sofrendo de um quadro dissociativo análogo a uma alucinação.


Pode até ser que a pessoa apenas não tenha tido nenhum contato com o bê-a-bá da sociologia e das demais ciências sociais mas, fora isso, torna-se impossível não reconhecer, na estrutura da nossa sociedade (seja lá qual nome damos a ela), a presença do racismo como determinante histórico e presente, central e indissociável. Pode ser que não seja um processo semi ou pseudoalucinatório, alucinóide, como eu supus acima, mas é INEGÁVEL que, com os esquemas conceituais que se produziram ao longo dos últimos séculos nas ciências sociais deste planeta, pessoas afeitas à ciência ainda ousem afirmar cientificamente que o racismo estrutural não existe, ou que é apenas uma hipótese, estão negando evidências concretas e fatos materiais da vida social. Estão negando a realidade.

Eu não sei se é uma alucinação ou algum tipo de alucinação. Eu acredito que seja mais um cinismo perverso, apesar de achar que tem pessoas que defendem o delírio da inexistência do racismo estrutural realmente acreditando nessa nítida negação. No caso dos cínicos perversos, a negação é obviamente perversa, portanto, ciente da lei, mas o negacionismo psicótico do racismo seria outra coisa… Não sei, acho que se trata de uma espécie de ponto cego, não acho que seja simplesmente neurológico, mas acho que seria arriscado já afirmar a hipótese de uma coerção ou hipnose social, um efeito de manada em que as pessoas se pegam sendo levadas a… ...não conseguir mais enxergar… Não sei, suspeito que possa ser muitas coisas, mas apesar das dúvidas tenho a convicção de que uma coisa é inegável: existe um fenômeno de negação não-cínica do racismo estrutural. Se não é cínica, se a pessoa acredita e se isso não é falta de acesso à ciência sobre a sociedade atual, decerto há uma clivagem de parte do real em sua ótica sobre a sociedade.

O racismo estrutural é visível, inegável e não hipotético, ele é poderoso e irresistível, e tem sua origem e sua existência explicadas pelos conceitos de acumulação primitiva e desenvolvimento desigual e combinado de Marx e Trotsky, respectivamente. Os indicadores sociais quantitativos que evidenciam a existência do racismo também são traços de que ele é estrutural. Quem enxerga o racismo, mas não enxerga o seu caráter estrutural, não sei dizer se pode estar delirando parcialmente a inexistência (enxerga o fenômeno, mas não enxerga um caráter evidente do fenômeno enxergado), mas uma hipótese razoável é de que a questão seja o pouco ou baixo conhecimento do estado da arte das ciências sociais sobre o tema da questão racial, em especial posso dizer sobre o da questão racial negra. Outra, obviamente, é de um parcial cinismo perverso. Há privilégios, quando se é pessoa branca, em fingir não ver a estruturalidade do racismo cuja existência se admite, se reconhece.

Ainda preciso falar sobre o desconhecimento neurótico do racismo e de seu caráter estrutural, uma negação total ou parcial da existência do mesmo (do racismo estrutural), baseada na culpa. É a culpa que rege a negação neurótica do racismo estrutural. Não é cinismo, apesar de ser uma busca por conforto. A negação neurótica do racismo estrutural seria um tipo de fuga à consciência, um tentar manter inconsciente a verdade desconfortável de que sim, estamos sobre e sob uma perversa estrutura, que nos condiciona, que rege nossas vidas, uma estrutura de alienação racial, de separação e hierarquização, de superiorização/inferiorização, de desumanização e dominação. Sim, nossos hábitos, nossos vícios, nossas boas rotinas, nossa economia, nossas profissões, trabalhos, salários, dinheiros e saldos, nossas relações de troca, de negociação, nossas formas de moradia, de alimentação, nossos cardápios, nosso linguajar, nossa mídia, nosso sistema educacional, nosso parque editorial, nossas culturas, nossas crendices, nossas línguas, nossos sexos, nossos sonhos, nossos medos, nossos animais de estimação, nossas piadas, o modo como amamos, o modo como odiamos, nossas posses, nossas agendas, o modo como sentimos sede, nossos aparelhos eletrônicos, nossas poesias e tudo o que consigo pensar… Tudo o que existe na vida de um ser humano moderno dos dias de hoje, e dos últimos séculos… Tudo, tudo, TUDO! Absolutamente tudo é determinado por uma estrutura de alienação racista. Pesquise sobre “negro no supermercado” e depois digite “negra no supermercado” no google e, caso ainda não esteja enxergando o racismo estrutural como fato inegável na existência de nossa sociedade, recomendo que busque uma consulta com psiquiatra.

Estou brincando de patologizar o fenômeno para criar esse texto-dispositivo. Espero que provoque reflexões e perturbações nas mentes de vocês sobre o problema da negação da existência do racismo estrutura. Quero muito ouvir o que vocês têm a dizer sobre esse problema. Como essa problematização pegou aí, pra vocês?

Façam bom proveito do dispositivo!

beijinhos de maracujá!

Comentários

  1. Esse texto me faz recordar um aspecto patológico percebido a muito tempo em um grupo da família que a mais de 50 anos foge de sua realidade de povo negro e usa todos os possíveis disfarces para sua negritude, tipo seu cabelo é pintado permanentemente de loiro,
    e alisados embora seu nariz mostra o contrário, fala do negro com perversa superioridade como se não o fosse usa recurso de clareamento de pelos como forma de clarear a pele, séria esse também uma patologia? Uma forma de fugir da realidade devido ao racismo estrutural que não poupa ninguém, desde que a corda da pele indica ser negro ou negra? Outra realidade é a vergonha de se assumir negro e negra se sentindo marginalizados ou tentando não ser colocado a margem por esse cinismo perverso que os deixa desprotegidos na sociedade, pior delírio ainda é a tomada de posição contrária a sua realidade como disfarces de sua realidade mal resolvida ou para uma segurança de quem não quer mais sofrer o que já sofreu os antepassados ou seria isso falta de conhecimento de sua história?

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