Rebecca Sugar: eu confio!

Prestes a iniciar a segunda metade da minissérie Steven Universe: Future, venho através deste humilde e pobretão fanzine virtual Raio X dos Afetos fazer minha profissão de confiança na sua criadora.

"Steven Universe: Future" (SUF) é a segunda série completa de Rebecca entrega à humanidade, e vai se encerrar no final de março agora, de 2020. É continuidade de sua série anterior, "Steven Universe" (SU), que foi bastante mais longa, tendo cinco temporadas, sendo que a primeira teve o dobro do tamanho médio das demais.

Rebecca é uma mente diferente, o que não quer dizer que não haja muitas outras mentes iguais à dela. Mas ela foi a mente genial que pôde chegar ao momento, ao lugar e às condições que lhe permitiram entregar essa obra à nossa espécie.

Teve participação como escritora, desenhista e compositora em Hora de Aventura (Adventure Time), também da Cartoon Network, e depois foi produzir a sua própria série, SU. O mundo que ela criou é um Planeta Terra em que a humanidade convive com criaturas mágicas, uma equipe de super-heroínas alienígenas (as Crystal Gems), que na verdade são pedras preciosas e semi-preciosas conscientes, cujos corpos são poderosas projeções de luz dessas suas consciências.

Essa forma diferenciada de vida nos é apresentada ao longo das cinco temporadas através do drama de Steven, um humano híbrido, que tem uma pedra rosa encravada em seu umbigo, mas no ápice da sua humanidade infantil e pré-adolescente, mal sabe como ativar os poderes de sua pedra. Com isso vamos vendo Steven descobri sobre si, sobre sua espécie ancestral, sobre sua mãe e sobre os motivos pelos quais as Crystal Gems lutam. No final das contas, o seu destino mágico está atravessando toda a história.

A série começa com descobertas infantis, mas vai aprofundando diversos dramas, entregando experiências visuais incríveis, trilhas sonoras envolventes e um enredo cheio de ricos desenvolvimentos de personagens. No meio disso tudo nos é permitido problematizar os padrões de gênero e sexualidade, as hierarquias sociais e o modo predatório como nos relacionamos com o Planeta Terra.

A série vai trazer várias experiências malucas ao longo das temporadas, com episódios que parecem não ter função nenhuma na série, e futuramente descobrimos que ali havia informações cruciais para desvendar o plot que vai se desenvolvendo... Não quero dar spoilers para quem não assistiu ainda a toda a série... Lá no canal do Raio X dos Afetos vou começar uma série de vídeos no quadro OFF COLORS onde vou cobrir, na ordem, todos os episódios da série, então aqui, para quem já viu e para quem nunca viu a série, só tenho a dizer que na quinta temporada Steven Universe se encerra subitamente, resolvendo duma vez várias questões abertas durante o percurso da série, mas deixando alguns ganchos e misteriozinhos pendentes a se trabalhar...

E daí vem Steven Universe: Future! E por isso estou escrevendo este texto!

SUF teve dez episódios, as expectativas em torno do que viria depois disso eram grandes, e também os burburinhos sobre uma qualidade rebaixada da narrativa na minissérie. Daí a Cartoon anunciou que agora em março serão lançados os dez episódios finais. Os dois primeiros deles, amanhã, na sexta 06 de março. Muita gente trazendo o sentimento de que não tem como amarrar com qualidade essa série em dez episódios.

Mas eu confio em Rebecca Sugar.

Obviamente que sei que ela pode entregar um produto completo de baixa qualidade, insuficiente, nenhuma pessoa é perfeita e sua obra pode ser sim insuficiente. Mas eu quero dizer aqui, sob pena de queimar a minha língua, que isso não vai acontecer!

Eu acredito que SUF vai nos surpreender a nível de imagens e de história, creio que a realidade de Steven vai nos render uma trama fascinante, que vai nos fazer compreender o que a Rebecca quis quando fez os dez primeiros episódios da minissérie do jeito que eles foram, e também porque SUF está sendo desse jeito em relação a SU.

Eu reassisti essa semana a The Return e Jailbreak, os dois últimos episódios da primeira temporada, e quero relembrar a cena do Steven socando o painel da van... Para quem conhece o Steven Rosa de SUF, vai entender o que eu quero dizer: Steven Universe está utilizando dum mesmo recurso de Neon Genesis Evangelion (doutro gênio, Hideaki Anno). Evangelion tem dois ritmos de narrativa distintos, uma mistura de leveza e densidade até o décimo sexto episódio, e uma densidade cada vez mais pura do décimo sexto para frente, até o vigésimo quarto... E nos dois últimos episódios (25 e 26), a mais pura e desconstruída narrativa insana introspectiva e metalinguística do audiovisual animado mundial. Muita gente critica essa mudança, mas Anno não nos enganou desavisadamente... A estética e a narrativa devastadoras do final da série já davam seus sinais de existência lá, desde o início, quando a história ainda trazia algo de divertido e razoável num desenho animado japonês tradicional, pra nos atrair.

Depois de um parágrafo sobre Evangelion, eu já posso dizer o que quero dizer: eu acho que SUF intensificou até aqui dramas do Steven que sempre estiveram presentes em momentos salpicados ao longo da primeira série. SUF é curta, tem apenas vinte episódios, e se dedicou até agora a enfatizar o crescente processo de Steven se afundando em um quadro preocupante. Muita gente está tratando sua situação como se fosse um adolescente mimado e irritante, mas o que a gente está prestes a ver pode ser um final de série impactante e histórico para a televisão mundial, digno de comparação com o final de Neon Genesis Evangelion.

Não sei se a fandom de SU vai apedrejar os estúdios da crewniverse e ameaçar Rebecca de morte como ocorreu com Anno e seu estúdio ao final de Neon Genesis, mas eu acho que o fim que teremos será apoteótico, talvez até apocalíptico, e que os episódios 11 a 20 de SUF nos farão entender por que os episódios 1 a 10 foram como foram... Até mesmo porque as cinco temporadas de SU foram como foram. A partir de amanhã e nas próximas semanas terei a possibilidade de ver a minha tese confirmada ou refutada pelos fatos, pelo resultado que Rebecca nos entregará...

Mas eu confio nela e estou esperando ansiosamente pelas obras de arte que sairão nas próximas quatro semanas. Vamos acompanhar essa viagem juntos e nas trilhas da Rebecca Sugar? Pois eis minha profissão de confiança!

beijinhos de maracujá!